quarta-feira, 26 de março de 2008

INACREDITÁVEL

Perspectivava-se uma conversa serena e off-the-record com um Administrador Hospitalar (em funções num Centro Hospitalar) - cujo tema versava sobre cumprimento dos direitos das várias classes profissionais - mas o rumo da mesma foi tomando destinados não planeados. Dizer-vos que fiquei atónito com os comentários relativos à Enfermagem, não é suficiente (mas não é o único). Numa filosofia de partilha, vou (tentar) reproduzi-los textualmente:

"Os Enfermeiros têm pouco interesse para os Conselhos de Administração, ao contrário dos médicos que são escassos e temos que cativá-los quanto mais não seja com bons salários, por isso nas reuniões de conselho nem se discute sobre Enfermagem. Não é necessário."

Mas, calmamente, prosseguiu:

"Pode ter a certeza que, nem que fosse pelo salário mínimo, teria sempre Enfermeiros para trabalhar"

"Não precisamos de pagar horas extra aos Enfermeiros, aliás, essa questão nem se coloca. Mas não é possível seguir a mesma política com a classe médica, somos mesmo obrigados a compensá-los"

"Os Enfermeiros não são valorizáveis. Não têm autonomia que lhes permita uma produção hospitalar independente"
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"Imagine que tínhamos problemas com uma equipa de Enfermeiros... no dia seguinte apresentávamos uma equipa nova e estava feito. Lembra-se do exemplo de Vila Real?"

Sem surpresas, concluiu:

"A política educativa facultou uma avalanche de Enfermeiros que só ajudou os Conselhos de Administração - deixou de haver problemas com Enfermeiros. Nem sequer é preciso aliciá-los! Os técnicos de diagnóstico e terapêutica também. Deixam-me dormir descansado."

(Para quem não se lembra do "exemplo de Vila Real", que ficou conhecido em todo o país, fica aqui um refresh: quando a equipa de Enfermagem da UCI de Vila Real alegou falta de condições laborais e ameaçou pedir transferência em massa, o respectivo Administrador Hospitalar respondeu assim:
"ficaria mais preocupado se os médicos, que são quem trata os doentes directamente, me pusessem problemas, pelo contrário, é um serviço de excelência"
O caso foi dado a conhecer à Ordem dos Enfermeiros, que nada fez.)
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E isto são apenas alguns excertos que retive, outros ficam por transcrever. Desta vez, nem teço qualquer comentário. Há que reflectir sobre as nossas estratégias profissionais (no âmbito pessoal e da classe). A verdade é só uma: enquanto gestores com este tipo de mentalidade e parca inteligência existirem, a saúde em Portugal não aprensenta bom prognóstico. O exemplo que veio do Reino Unido mostra bem porquê.
in Doutor Enfermeiro

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